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Observações afiadas e dicas práticas sobre o mundo das redes sociais. Para quem quer navegar nas tendências com olhar crítico e estratégia.
Se há coisa que o nosso cérebro adora é uma boa contradição. Por um lado, é um órgão tão antigo que ainda deve ter saudades dos tempos em que partilhávamos a Terra com dinossauros (sim, o mesmo cérebro que hoje usa Facebook). Por outro, é um mestre da reinvenção, um makeover artist neuronal que se remodela com a mesma facilidade com que um político muda de opinião.
Como dizia Santiago Ramón y Cajal, "todo o homem pode ser o escultor do próprio cérebro" — frase que, hoje, faria um sucesso viral nas redes sociais, entre coaches de desenvolvimento pessoal e gurus de neurohacking.
A plasticidade cerebral. Entre tabblets e táxis de londres
O artigo da National Geographic de junho de 2025, revela que o cérebro humano é um 'adaptógrafo profissional'. Seja a escrever à mão num caderno ou a deslizar o dedo num ecrã, ele reorganiza-se como um Tetris neuronal. As crianças da Escola Pia de Caldes de Montbui, perto de Barcelona, são provas vivas: sem tablets, aprendem matemática a copiar problemas à mão, exercitando a memória e a síntese — competências que, noutros sítios, estão a ser atropeladas pelo autocorretor e pelo ChatGPT.
Mas a plasticidade tem os seus caprichos. Os taxistas de Londres, por exemplo, têm o hipocampo (área da memória espacial) mais desenvolvido que a média, graças ao Knowledge, o inferninho de decorar 25 mil ruas. Só que, com o GPS, essa ginástica mental está em vias de extinção. O cérebro, preguiçoso por natureza, prefere outsorcing cognitivo: "Para quê lembrar-me do caminho se o Google Maps o faz por mim?"
A educação e a cultura. Os personal trainers do cérebro?
Javier DeFelipe, neuroanatomista espanhol 🇪🇸, lembra que "a educação molda o cérebro, a cultura fá-lo evoluir". Ou seja: se o cérebro fosse um músculo, a educação seria o ginásio e a cultura, a dieta. O problema? Estamos a alimentá-lo com fast-food digital. As crianças que crescem a consumir conteúdos em loop no YouTube têm mais dificuldade em focar-se numa tarefa — o que explica por que razão um adolescente de 2025 consegue ver um reel, jogar “Fortnite” e responder a mensagens ao mesmo tempo, mas não consegue ler um livro sem sentir a urgência de verificar as notificações.
David Bueno, especialista em neuro educação, avisa que as redes sociais são "dopamina em forma de like, criando ciclos viciosos comparáveis ao tabagismo dos anos 70. A diferença? Ninguém avisou que scrollar infinitamente no Instagram podia ser o novo "fumar é fixe".
O paradoxo da era digital. Memória externa, cérebro vazio
Num mundo onde a Wikipédia substitui a enciclopédia e o telemóvel substitui a memória, o cérebro está a ficar "desempregado" de funções que antes eram suas. Adrian Ward, psicólogo da Universidade do Texas, descobriu que, quando as pessoas ficam sem Internet durante duas semanas, a memória e a criatividade melhoram. Ou seja: o cérebro , quando não está ocupado a armazenar passwords do “Netflix”, lembra-se de que afinal sabe pensar.
Sabem que mais? Convido-vos à Rebeldia Cerebral!
Se o cérebro é um escultor, então a pergunta é: que obra queremos criar? Um monumento à distração, esculpido em likes e notificações? Ou uma catedral de atenção, construída com leitura, conversas cara a cara e (credo!) aborrecimento criativo?
A ironia final? Para escrever este artigo inspirei-me num artigo digital da Revista Visão, que li num ecrã de um telemóvel e escrevi no computador, e provavelmente, ficará esquecido assim que for lido e apagado. Mas se algum parágrafo ficou na tua memória, então Cajal tinha razão: o cérebro é mesmo o último grande projeto DIY (do it yourself) da humanidade.
E agora, se me dão licença, vou desligar o wi-fi e treinar o meu hipocampo a encontrar uns brincos no chão da casa sem ajuda da Google. Wish me luck.
Este artigo foi inspirado neste artigo da Visão
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